Os afastamentos por doenças mentais explodiram em 2024, com um aumento superior a 68% em relação ao ano anterior. Diante desse cenário alarmante o advogado, Lucas Pedron, explica as mudanças mais relevantes na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que agora inclui os riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas.
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Saúde mental no trabalho
O cenário da saúde mental no ambiente corporativo brasileiro acendeu um alerta vermelho. Em 2024, os números de afastamentos do trabalho por transtornos mentais dispararam, registrando um aumento superior a 68%, conforme dados do Ministério da Previdência Social, e chegando a mais de 470 mil licenças concedidas – o maior índice em uma década. Dados da ONU corroboram a gravidade, apontando que os benefícios por incapacidade temporária ligados à saúde mental mais que dobraram entre 2022 e 2024, um salto de 134%.
O Que Muda na Prática? A NR-1 e os Riscos Psicossociais
A principal transformação trazida pela Portaria TEM 1.419/2024 reside na ampliação do escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas. Anteriormente focado em riscos físicos, químicos e biológicos, o PGR agora obrigatoriamente deve contemplar a identificação, avaliação e controle dos riscos psicossociais.
Mas o que isso significa na prática? Riscos psicossociais referem-se a aspectos da organização do trabalho, do ambiente social e das condições laborais que podem causar danos psicológicos, sociais ou físicos aos trabalhadores. A nova NR-1 exige que as empresas mapeiem e monitorem fatores como estresse ocupacional crônico, resultante de pressão excessiva, prazos irreais e falta de autonomia. A conhecida Síndrome de Burnout, caracterizada pelo esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho. Situações de assédio moral e sexual, que representam condutas abusivas afetando a dignidade do trabalhador. A carga mental excessiva devido à alta demanda cognitiva e multitarefa constante. O isolamento no ambiente de trabalho, marcado pela falta de interação social e apoio. E a crescente exigência de hiperconectividade, que pressiona o colaborador a estar disponível fora do horário de expediente.
Esses elementos, muitas vezes subestimados ou até normalizados na cultura organizacional, passam a ser formalmente reconhecidos como riscos ocupacionais pela legislação trabalhista. A identificação desses fatores no PGR não é apenas um exercício burocrático; ela demanda a elaboração e implementação de planos de ação concretos para mitigar ou eliminar esses riscos.
As diretrizes da NR-1 apontam para a necessidade de uma série de medidas práticas. Entre elas estão a reorganização do trabalho, que envolve ajustar cargas de trabalho, definir papeis com clareza, promover pausas adequadas e flexibilizar jornadas, buscando reduzir a sobrecarga e melhorar a qualidade de vida. Igualmente importante é a promoção de um ambiente saudável, fomentando o respeito, a colaboração, o reconhecimento e o apoio mútuo entre colegas e lideranças, fortalecendo o bem-estar emocional coletivo. A criação de canais de escuta ativa e denúncia seguros e confidenciais é outra exigência, permitindo que os colaboradores reportem situações de sofrimento ou abuso sem medo de retaliação.
Além disso, a norma prevê a necessidade de capacitação e treinamento contínuos para gestores e equipes sobre saúde mental, prevenção de assédio e promoção de um ambiente psicologicamente seguro. O apoio psicológico, seja por meio de programas internos ou parcerias, também deve ser disponibilizado ou facilitado. Por fim, o monitoramento contínuo é essencial para avaliar a eficácia das ações, coletar feedback e ajustar os planos conforme necessário.
Essa mudança representa um avanço significativo, alinhando o Brasil a práticas internacionais e reconhecendo a saúde mental como um componente indissociável da saúde e segurança no trabalho.
Prazo adiado, urgência mantida: por que começar agora?
Apesar da relevância inegável do tema, a entrada em vigor plena da obrigatoriedade de incluir os riscos psicossociais no PGR, inicialmente prevista para 2025, foi adiada para 2026. A decisão do Ministério do Trabalho e Emprego veio após solicitações de diversas entidades representativas, como a Fecomercio SP e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Os argumentos para o adiamento incluíram a necessidade de mais tempo para que as empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, pudessem se adaptar às novas exigências, além da carência de profissionais capacitados no mercado para realizar as avaliações e implementar as medidas necessárias de forma adequada. O governo se comprometeu a publicar guias e manuais técnicos para orientar as organizações nesse processo, e um período educativo, sem aplicação de multas, terá início já em maio de 2025.
Contudo, o adiamento do prazo final não diminui a urgência da questão. Como bem ressalta o Dr. Lucas Pedron, "tendo em vista a importância, e o número de afastamentos, recomenda-se que haja a implementação e adaptação das rotinas das empresas desde já". Esperar até 2026 pode significar mais colaboradores adoecidos, perda de produtividade e potenciais passivos trabalhistas.
A inclusão dos riscos psicossociais na NR-1 não é apenas uma atualização burocrática, mas um marco fundamental que reflete a crescente conscientização sobre a importância da saúde mental no ambiente de trabalho. Os números alarmantes de afastamentos e o sofrimento individual por trás das estatísticas exigem uma mudança de paradigma na forma como as empresas encaram o bem-estar de seus colaboradores.
Embora o prazo para a plena implementação tenha sido estendido para 2026, a recomendação é clara: comece agora. Adaptar-se às novas exigências da NR-1 é investir no ativo mais valioso de qualquer organização: as pessoas. Promover um ambiente de trabalho psicologicamente seguro, com diálogo aberto, respeito mútuo e suporte adequado, não só atende à legislação, mas constrói equipes mais resilientes, engajadas e produtivas.
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